“Ex-presidente Jair Bolsonaro, além de lideranças militares de alta patente, foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Fato inédito na história do país, onde a seletividade penal, a anistia em nome da pacificação e a adoção de uma política do esquecimento se mesclam e conformam um cenário de dores, perdas e descrédito”
No dia 11 de setembro de 2025, testemunhamos o resultado de um julgamento histórico. O ex-presidente Jair Bolsonaro, além de lideranças militares de alta patente, foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em razão da trama golpista que culminou nos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio. Fato inédito na história do país, onde a seletividade penal, a anistia em nome da pacificação e a adoção de uma política do esquecimento se mesclam e conformam um cenário de dores, perdas e descrédito. O golpe, planejado e executado ao longo do governo Bolsonaro, teve seu ápice no fatídico dia 08 de janeiro de 2023, em que acompanhamos atônitos a invasão e depredação dos prédios oficiais do governo brasileiro por milhares de chamados “cidadãos de bem”, conclamando a defesa da família, protegidos por Deus e em nome da propriedade. A condenação dos arquitetos do golpe, além de reiterar a importância da institucionalidade democrática, é carregada de simbolismos e afetos. Ao longo de nossa história, fomos acostumados a sequer imaginar a responsabilização de grupos políticos e militares que professam e praticam seu ódio à democracia e seu desprezo a qualquer princípio de igualdade e diversidade. Assim, em busca de um fio de conexão histórica, lembremo-nos do que ocorreu há 40 anos, quando, em 1985, o jurista argentino Júlio Cesar Strassera condenou lideranças militares por crimes cometidos durante a ditadura argentina (1976-19836). Em seu discurso, Strassera fez calar fundo uma plenária repleta de mães, pais, avós e amigos que buscavam justiça e reparação contra a violência perpetuada durante o regime militar argentino. Imagem, essa, que não ousamos fabricar em nossas terras! Por aqui, foi implementada uma anistia carregada pela ideia da pacificação sem qualquer tipo de responsabilização dos detratores da democracia. Apostou-se na construção de uma paz fictícia, diferentemente do que Strassera defendeu ao lembrar que “nos cabe a responsabilidade de uma paz baseada não no esquecimento, mas na memória, não na violência, mas sim por meio da justiça. Essa é nossa oportunidade e talvez seja a última”. A condenação de um ex-presidente e militares brasileiros por atentaram contra o Estado Democrático de Direito representa certa aposta no não esquecimento, na busca pela reafirmação da via democrática, que, a despeito de suas fragilidades, ainda aponta para um caminho de mais possibilidades para a produção de um comum e de um bem viver. Trata-se, talvez, de uma rara oportunidade para reafirmarmos nossa capacidade de imaginarmos outros mundos nos quais se fazer justiça representa defender a vida! No dia 11/09/2025, mesmo que virtualmente, muitas e muitos de nós éramos os pais, mães, avós e amigos que se sentiram minimamente tocados por afetos diversos, não necessariamente nomeados, mas facilmente compartilhados. Nessa direção, a ABPP reitera seu compromisso histórico com a produção de uma política que opte pela memória e pela reparação como medidas de ação e expressão na vida social e política, evocando um lema coletivo com o qual Strassera definiu um modo de perspectivar o futuro, que é: “Nunca mais!”.
